Criaram certas imagens a respeito de Deus que me dão
medo. Na Idade Média, pintaram o mundo debaixo do juízo divino. Imagens de pessoas aterrorizadas debaixo
da fúria de uma divindade que os odeia eram muito comuns na época. E isso foi atravessando séculos. Essa visão resistiu à tecnologia e à expansão do conhecimento e, por incrível que pareça, ainda é presente.
Como eu posso ter medo de Deus? Ora, quando Deus é
apresentado como um vigilante severo da sua própria lei. A lei é impossível de
ser obedecida. E esse pensamento de que existe uma lei que está acima da minha
capacidade de obedece-la é neurotizante. Existe uma idéia religiosa de que Deus é tão zeloso em
defender sua glória que ele não permite nenhum deslize, sob a pena de sofrermos os rigores da lei. É
como se exigíssemos que um bebê disputasse uma corrida de obstáculos. Se existe uma lei e Deus pune com uma eterna desgraça, com
uma ira e fúria inominável a raça humana que desobedece essa lei, isso me dá medo.
Também tenho medo do Deus que é ao mesmo tempo fonte de bem e
fonte de mal. Eu nunca sei quando ele vai despejar bênçãos ou castigos sobre mim.
Se estamos na tribulação é um estágio anterior da benção, dizem. Se a
tribulação é a antessala de uma benção, nenhum de nós deveria tentar acabar com
as desgraças da vida. A nossa obrigação seria suportar o sofrimento que nunca
acaba. Contudo, não é bem assim.
Os judeus sempre foram extremamente preocupados em serem
monoteístas. Por causa dessa insistência do judeu em ter apenas um Deus, eles
tinham um problema. As nações pagãs tinham um deus pra cada coisa. Deuses do bem, deuses do
mal. Em várias passagens da Bíblia, como eles só tinham um Deus, atribuíam a
Deus coisas ruins. “Um espírito maligno vindo da parte de Deus para atormentar
Saul”. Eu nunca sei se Deus é do bem ou do mal. Nós nunca sabemos o que esse
“deus” vai aprontar. Pode dar medo esse deus bipolar.
Ah, tenho medo de um Deus que tem planos secretos. Que
trabalha misteriosamente no céu e não nos conta o que está fazendo. Um Deus que tramaria às escondidas? Deus é luz. Ele revela. Ele caminha
conosco, segurando a nossa mão. Ele tem planos futuros gloriosos e faz questão que os conheçamos.
Eu tenho medo de um Deus que só pode nos amar por causa
de uma igreja. Como se Deus só amasse os regenerados, os bonzinhos. Como se apenas os "de igreja" fossem bonzinhos e regenerados. Os outros, Deus odiaria. Deus
só nos amaria se estivéssemos em alguma igreja ou congregação. Não podemos
entender um Deus que no mundo de bilhões de pessoas, só a um punhado delas transferiria seu amor.
Porém, eu não tenho medo de Deus. O Deus da Bíblia nunca
pediu sacrifícios, nunca deixou de nos amar. Sua misericórdia se estende
para além dos muros de Israel. Não requer sacrifícios, porque seu olhar está
estendido sobre toda a humanidade, fazendo que a chuva caia sobre bons e maus,
que amou o MUNDO de tal maneira que enviou o seu filho para que todo o que Nele
crê não pereça mas tenha a vida eterna. Deus não quer
derramamento de sangue. Chega de holocaustos!
Deus não quer que o pecador se converta. Ele quer que o
religioso se converta, e que o pecador se arrependa. Para que o pecador se
arrependa ele precisa ser acolhido. Os religiosos que são furiosos, implacáveis
em projetar em Deus a pequenez do coração deles. Os pecadores precisam ser
amados, recebidos. É a bondade de Deus que leva o homem ao arrependimento.
Jesus prometeu um futuro pra mulher que seria apedrejada porque ele percebeu um
futuro além das pedras. Jesus não tem pedra na mão. Deus oferece colo.
Não é a doutrina que te salva, não é a teologia que
salva, é o abraço de Deus, é o amor de Deus, é a graça de Deus. Eu prefiro ler
a Bíblia com as lentes do amor. Não leio a Bíblia sem amor. Pela lei, Paulo concordou com o apedrejamento de Estevão. Entretanto, só compreendeu seu encontro em Damasco porque viu Estevão olhar pra cima e dizer que viu os céus abertos. Pela
lei, a mulher era apedrejada, mas Jesus não olhou a lei, olhou os olhos da
mulher e disse vai e não peques mais. Pela lei, estaríamos condenados, mas Deus
nos olha com a sua misericórdia. Logo, eu não tenho medo de Deus.
Um Deus que se sente ameaçado pela minha liberdade não é
Deus, é ídolo. Deus não tem ciúmes da minha liberdade. Deus não fica
insatisfeito ao me ver feliz. O amor lança fora todo o medo. Deus nos fez livres. Aproveitemos essa liberdade então, com parcimônia e responsabilidade, mas sem esquecer jamais de que Deus não é apenas Deus. Ele é nosso Pai. O mundo não precisa de mais um deus. O mundo precisa de Pai.
Só pela graça,
João Victor